'Vivemos tempos difíceis'. Bispo de Volta Redonda conclama para 'ação firme e determinada' em defesa dos pobres
22 Março 2017
"Assistimos a um grande recuo de iniciativas que resgatem a
dignidade popular. Até propostas de lei de iniciativa popular, um grande avanço
constitucional, são barradas no Congresso.
Vozes inconformadas e clamor popular que manifestam insatisfação ou dissenso
são apresentados pela mídia como elementos de estorvo e distúrbio diante da
perspectiva de constituir uma “nova
ordem” para salvar o país", denuncia Dom Francisco Biasin, bispo da diocese de Volta Redonda,
RJ, em nota intitulada "Ao povo de Deus das Comunidades da Igreja
Católica", publicada pela diocese no dia 17-03-2017.
Segundo o bispo, "o Senhor nos chama a ser protagonistas da
salvação como seus colaboradores na construção do Reino. Ele nos convida à
vivência da fé, ao exercício da esperança e ao testemunho da caridade. Isso
acontece de fato através de uma ação firme e determinada em defesa da educação
e saúde públicas de qualidade, do direito ao trabalho digno, ao gozo da vida no
tempo da justa aposentadoria, do acesso ao lazer, à cultura e à moradia, ao
direito a uma alimentação saudável para saciar a fome e a sede para viver com
dignidade cuidando da nossa Casa Comum".
Eis a nota.
"Assim fala o Senhor Deus: “Grita forte, sem cessar, levanta
a voz como trombeta e denuncia os crimes contra o meu povo e os pecados da casa
de Jacó”. (Is. 58,1)
Caros fiéis
Diante da gravidade do momento político, social, econômico e moral
que vivemos nos últimos tempos e inspirados pelo testemunho do Evangelho, não
podemos ficar calados. No conturbado ano de 2016, o nosso país deparou-se com
uma avalanche de projetos e decisões do Congresso – alguns já implementados – que
claramente trarão em curto e médio prazos consequências graves para toda a
sociedade brasileira, de modo especial para os trabalhadores e os pobres.
A crise econômica é apresentada como a grande vilã do
momento, pela qual se justifica qualquer medida sócio-político-econômica. As
medidas são impostas em pacotes prontos e fechados. O Congresso e o Senado
servem apenas como fachada para dar legalidade ao que uma elite conservadora já
decidiu de antemão: privilegiar o sistema financeiro e defender os interesses
do grande capital. O preço é impor enormes sacrifícios aos mais pobres e
desestruturar as condições de sobrevivência das pequenas empresas e da própria
economia familiar.
Como a atenção da população está focada na crise econômica, é
importante não nos distrairmos em relação a outros setores da vida social, tais
como: • a polêmica reforma do ensino médio, • a redução da maioridade penal com medidas duras de
imputar penalmente os adolescentes, • a reforma da Previdência
Social em tramitação no Congresso nestes dias, com consequências
desastrosas para os empobrecidos no próximo futuro, • e as alterações em leis trabalhistas conquistadas com luta e sangue de
operários. Infelizmente todas essas medidas apontam para sérios retrocessos em
diversas conquistas que resultaram da mobilização de milhões de brasileiros e
brasileiras desde tempos passados, como o da Constituinte, até os nossos dias.
É escandalosa a ascensão ao poder de pessoas de duvidosa
reputação, sob suspeita de corrupcão ou em adiantado processo de investigação,
para ocupar cargos de alta responsabilidade no Legislativo, no Judiciário e no Executivo.
Assistimos a um grande recuo de iniciativas que resgatem a dignidade
popular. Até propostas de lei de iniciativa popular, um grande avanço
constitucional, são barradas no Congresso. Vozes inconformadas e clamor popular
que manifestam insatisfação ou dissenso são apresentados pela mídia como
elementos de estorvo e distúrbio diante da perspectiva de constituir uma “nova ordem” para salvar o país.
Assim as leis e a governança não colocam a economia e a atividade política a
serviço da pessoa humana e das suas necessidades básicas, pelo contrário a
gestão da coisa pública e a aprovação de emendas parlamentares são pensadas
para salvar um projeto de economia
neoliberal que impõe pesos insuportáveis nos ombros dos mais
pobres.
Outras questões graves nos preocupam: vemos aprovadas leis,
varadas na calada da noite ou com canetadas do Judiciário, que desmantelam a
família, negam dignidade ao nascituro e descaracterizam a concepção da
identidade sexual da pessoa humana, ferindo profundamente a sensibilidade de
grande maioria do povo brasileiro. Assim o Estado se dissocia da sociedade
civil como um todo e não interpreta os seus anseios, pelo contrário é usado por
grupos políticos e econômicos que dele se apossaram para sujeitá-lo a seus
interesses. Na nossa região as consequências das medidas apresentadas são
agravadas pela falência do Estado do Rio de
Janeiro e a total ineficiência dos órgãos governamentais que
dificulta possíveis parcerias com a iniciativa privada.
A privatização da CEDAE
é a expressão mais eloquente de um Estado que agoniza e se submete às leis do
mercado para poder de algum modo sobreviver. O que mais preocupa a nossa
população é o agravar-se da violência alimentada pelo tráfico, a falta de
perspectivas e de oportunidades para a juventude, o desemprego generalizado que
atinge as famílias e congela a economia, a precariedade da saúde pública e o desmantelamento do SUS de tal forma que os
mais pobres, quando ficam doentes, são condenados a sofrer uma lenta agonia,
enfim o desespero da fome que leva famílias inteiras a buscar alimento a
qualquer custo, quando não podem mais contar com a solidariedade dos bons.
Conclamamos todas as pessoas de boa vontade, sensíveis aos valores
da justiça e da solidariedade a se juntarem e a se manifestarem contra as
medidas que afetam o bem comum e a vida dos mais pobres e indefesos. Esta é a
hora em que cada de nós é chamado a exercer a cidadania em relação aos
deputados e senadores que pediram e ganharam o nosso voto na época das eleições
para cobrar deles postura digna e coerente na hora de votar emendas
parlamentares que podem prejudicar os seus eleitores.
O Senhor nos chama a ser protagonistas da salvação como seus
colaboradores na construção do Reino. Ele nos convida à vivência da fé, ao
exercício da esperança e ao testemunho da caridade. Isso acontece de fato
através de uma ação firme e determinada em defesa da educação e saúde públicas
de qualidade, do direito ao trabalho digno, ao gozo da vida no tempo da justa aposentadoria,
do acesso ao lazer, à cultura e à moradia, ao direito a uma alimentação
saudável para saciar a fome e a sede para viver com dignidade cuidando da nossa
Casa Comum.
Vivemos tempos difíceis! A nossa fé nos guie e nos fortaleça para
podermos assumir a missão de trabalhar para que todos tenham vida e vida plena.
Com minha bênção de pastor
Volta Redonda, 17 de março de 2017
Dom Francisco Biasin
Nenhum comentário:
Postar um comentário